sábado, 1 de maio de 2010

Conto - Morrer Sem Coração. - Thiago Assoni



Aos fundos, as luzes pequeninas que adornavam o parquinho do circo ainda estavam acesas, mas ela não queria mais ficar ali.
Olhou aos lados, mas apenas o mato crescia por entre a rua estreita de terra batida. Eram mãos pegajosas e asquerosas... Poderia ela fugir para bem longe, onde ninguém mais pudesse tomar conta de sua vida?
O rosto pintado sorria, mas o peito oco sangrava lágrimas de tristeza irreparável. A que custo ganhou toda sua fortuna? Quanto precisou perder para ganhar?

Aos fundos, ainda piscavam as luzinhas coloridas. E ficavam mais e mais distantes. O caminho nunca foi bonito mesmo, mas não era assim que aparecia para o mundo. Glamour, beleza, sorrisos perfeitos... Tudo era sempre tão fascinantemente mentiroso...
E quem poderia prever que naqueles olhos azuis tão belos, se escondia a dor e a tristeza que suas alegrias nunca mostravam? Vendia tudo aquilo o que nunca acreditou, todas as coisas imensamente inúteis que todos deveriam ter!
Os padrões, a boa forma que a machucava para aparecer bonita. Não coma, vá para a academia, caiba nesse vestido! Você não pode fazer isso, seja o exemplo! Larga esse cigarro, não beba essa cerveja. Fique séria enquanto serve de vitrine nessa passarela onde pessoas fúteis vão te aplaudir. Moda tem um preço, mas não importa: pague! Leia o livro mais vendido, você precisa ser mais cool. Saiu no jornal, então essa é a verdade, faça igual!

E todas aquelas bolas de vidro acessas ficavam para trás.
Por detrás de tanta perfeição, pulsos cortados. Anti-depressivos, maconha, cocaína, heroína. Sexo sem prazer, pois não havia mais libido dentro de si.
Viviam brincado no playground que era toda essa fantasia, armando o circo que era sua vida... Mas ela não queria mais e tudo estava ficando para trás.

Subiu os degraus de um prédio em esqueleto, tão abandonado e sujo quanto ela se sentia por dentro. Chegou ao espaço que serviria de mirante, abriu os braços, sorriu em choro e gritou:
- Liberdade!
E em seguida o vento forte, a queda livre...

O peito oco que derramava sangue, o vazio que corroía sua alma, a lacuna que fazia doer...
Não havia nada que batia, nunca mais sentiu.
Lhe faltava o ar, a visão sumia, o coração parava.
Tudo era desforme, música sem som, fogo sem calor...
Perder o dom por não ter mais Amor...
O peito oco fez reclamar por sentir tamanha solidão, ainda que rodeada por toda aquela multidão.
Sozinha quis ficar, sem poder amar.
Melhor mesmo foi morrer sem coração.

4 comentários:

  1. esse poema e muito profundo.... me identifikei muito com ele. muito bom

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  2. Secretamente amo as trevas
    Seduz-me o frio do vazio
    As cores berrantes da noite escura
    O sabor fresco do sangue vivo
    Os dentes raivosos a rasgar a carne
    Os gritos de dor de uma alma torturada…
    Secretamente este é o poeta que há em mim
    Inspirado pelo caos e pelo horror
    Enamorado pela tormenta insanidade…
    Um monstro horrendo vive em mim
    Quando acaricio um rosto de mulher
    Lhe faço bater forte o coração
    Desnudando o seu corpo ansioso
    E possuindo-a com ardor…
    Secretamente não sei quem sou
    Preso entre o calor e a frieza
    Calado na gritaria do mundo
    Berrando no silêncio das palavras
    Perdido no meu caminho
    Secretamente…
    …ainda fica tanto por dizer…

    obs- o que pensei sobre o que voçe escreveu !!!

    boa sorte

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