sábado, 16 de junho de 2012

Sacrifício Parte Três.


Sacrifício - Parte Três.

A escuridão era intensa. Os ruídos eram aterrorizantes e ecoavam pela imensidão trevosa, que impedia seus olhos de enxergar um centímetro além de seu rosto. Encostou-se a parede de barro, numa tentativa de traçar um caminho, e sentiu que o frio era realmente muito forte lá dentro do labirinto. Sentia falta de algo que pudesse esquentá-la. Aquele vestido decotado e rente ao corpo lhe causava a sensação de frio ainda maior.
Andou às cegas, sem saber por onde. O chão era desigual e, em certos pontos, era mais lamacento, fazendo com que seus pés afundassem até a altura dos joelhos. Para sair dessa armadilha natural, ela usava de muita força, o que deixava seu corpo exausto e cada vez mais pesado. Em dados momentos, sentia mãos que subiam e desciam em suas pernas quase nuas a essa altura da caminhada, onde antes passara por um corredor de espinhos e folhas cortantes.
Não sabia precisar o tempo que já estava ali dentro, mas parecia tempo demais. Deitou no chão de terra e dormiu. Quando acordou, ainda era noite, mas sabia que isso não faria diferença, pois aquele lugar era noite o tempo inteiro. Continuava andando sem saber por onde. Sentia roedores e insetos caminhando por seus braços, pernas e ombros.
Por vezes, corria e se deparava com a parede de barro. Caía com violência com o impacto e ficava ali desmaiada sem saber por quanto tempo. Quando acordava, continuava andando. Estava cansada e suas pernas doíam. Sentia fome e chegou a comer algumas folhas que ela não fazia ideia do que poderia ser. As pontas dos dedos estavam todas mordidas.
Sentindo a exaustão ao máximo, sentou-se e descobriu estar num vale de ossos quando puxou um crânio ao seu lado. Lembrou-se daquele corredor que havia passado horas antes. Levantou-se assustada e correu. Parecia estar num campo aberto agora, pois não se chocou com mais nenhuma parede de barro. Tentou olhar aos lados, mas era inútil. Não conseguia enxergar um palmo a sua frente. Ficou caminhando por horas e não encontrou mais nenhum obstáculo, nenhuma parede, nenhuma armadilha.

De repente, sentiu o chão tremer. Finalmente conseguiu enxergar, e era uma rachadura enorme que se abria diante de seus olhos. Uma luz alaranjada se ergueu até o céu negro entre fumaça e murmúrios de lamúria. Viu uma base de ferro se levantar, girando. Nela, havia uma arca também de ferro e muito bem trabalhada. Ao lado daquela arca, em pé na plataforma, estava ele, novamente vestido de preto, os olhos esmeraldas com um brilho ainda mais misterioso. Ele não disse nada, apenas sorriu e apontou para a arca reluzente.

- Finalmente chegou! – ele sorriu.
A plataforma parou de subir, igualando-se ao nível do chão do espaço deserto. A escuridão se fora, e era como olhar um céu vermelho agora. Aquele tom avermelhado do céu deixava o ambiente como se fosse um cenário dos mais terríveis pesadelos. E aquele homem, a única figura que parecia completar perfeitamente aquele assombroso lugar, sorria, deliciando-se do pavor da jovem que estava a sua frente.

Enfim, ele colocou-se ao lado da garota e estendeu-lhe o braço, que foi correspondido num meio abraço por parte dela. Caminharam até a base que emergira das profundezas e ficaram ao lado da arca que ali estava. Sem dizer uma só palavra, ele tirou a tampa e mostrou a caixa vazia. Havia apenas fumaça que saia dali.

- Do que se trata? – ela perguntou, enfim.
Sorrindo, ele manteve guardado seu silêncio e deu a volta na arca, alisando-a em contemplação. A fumaça formava pequenos redemoinhos ao passar dos dedos compridos. Quando ele olhou para ela novamente, já mostrava seu verdadeiro rosto de bode e os chifres protuberantes envergavam-se para os lados. Do chão, brotaram dois corpos rochosos de braços muito fortes, que jogaram a garota dentro da arca de ferro e fecharam-na ali dentro.
Foi só nesse momento que Lilith percebeu que a arca era rodeada por pequenos círculos de vidro e que a tampa também tinha duas aberturas daquele mesmo tipo. Conseguia ver tudo o que se passava ali fora. Os corpos rochosos que se desmontaram em pedaços e o tinhoso que se aproximara do vidro em frente ao seu rosto, sorrindo, a tocha no meio da cabeça brilhando em chamas altas. Sentiu o ar começar a lhe faltar quando aquele líquido viscoso invadiu a superfície metálica. Apavorou-se, mas não havia espaço o suficiente para se debater. Tentou gritar, mas percebeu que a voz não saia, engasgada, presa no fundo da garganta que ardia. Seus olhos choravam e o pouco que enxergava ficara borrado. Aos poucos, a caixa ia se enchendo cada vez mais e mais. Seu corpo se retraia e a respiração ficava cada vez mais ofegante. Sentiu aquele líquido tampar os ouvidos e chegar ao rosto. O pouco de ar que ainda tinha estava se acabando.
Quando submersa, Lilith não se mexeu mais. Precisava poupar o máximo de energia possível e precisava acalmar-se. Talvez ele fosse tirá-la de dentro daquela arca logo, então era preciso manter a calma. Ele não ia deixa-la morrer...

Mas foi só então que ela percebeu que não havia como morrer, sendo que ela já estava morta. Só agora percebera que não teria perigo estar ali dentro e que aquilo não era uma tortura. Mas, então, o que era aquela arca?

O rosto do homem de olhos esmeraldas surgiu no vidro, sorrindo, lindo! A voz dele ecoou dentro da mente dela:
- Você vai ter a chance de vingar sua morte, bela garota... Darei a você a chance de voltar e vingar-se de todos os que te trouxeram até aqui. Farás um trabalho para mim, trazendo todos os malditos que fazem mal uso de meu nome num mundo decadente e depreciável, onde veneram o Onipotente que é desalmado e excomunga aqueles que deram a vida em Seu nome. Vivemos para Segui-lo, e temos o pior dos finais. Somos atirados à sorte mundana e temos a alma corrompida por qualquer ser malévolo sem chances de perdão. Foi assim comigo... Foi assim com você!
Então, Lilith percebeu que o homem de olhos esmeraldas não era Baphomet, mas também um jovem que fora oferecido a ele. Eram duas almas malditas e condenadas, oferecidas às trevas e que se uniram na morte para dar poder àqueles que o traíram. Ambos atirados ao inferno para suprir às necessidades daqueles que os venderam. Aquele homem era usado por Baphomet. Era apenas uma imagem melhor que o demônio poderia usar para se mostrar. Ela podia ver através dos olhos dele sua morte dolorosa naquele ritual sangrento, onde sua barriga fora aberta com ele ainda vivo e suas vísceras puxadas enquanto ainda podia senti-las sendo cortadas.
Logo, o rosto bonito daquele jovem foi substituído pelo rosto do bode que sorria escancarado. A voz agora surgiu rouca e grotesca.
- Vá e veja como tudo aconteceu contigo até chegar até aqui, bela garota!
As palavras ecoaram como se vindo de muito longe. Lilith sentiu o corpo ser arrastado pelos corredores do tempo e viu a vida passar diante de seus olhos qual como numa fita cassete sendo rebobinada. Conseguia ver cenas as quais nunca tinha visto e nem nunca tinha vivido. Lembranças adormecidas dela e de outras pessoas. Via tudo claramente agora, como em um filme. As missas quando criança, as festas da Igreja, as reuniões de seus pais que sempre faziam com ela tivesse que ficar brincando na rua com outras crianças até que fosse chamada de volta.
As coisas, aos poucos, iam fazendo sentido. Lilith estava ali, sendo criança de novo, e ia descobrir como tudo isso tinha começado.



4 comentários:

  1. Magnifico,A história a cada dia está ganhando mais vida e ganhando todo o sentido no contexto ..Apenas tenho a elogiar e esperar por mais já que Lilith e a mocinha na história e não a vilã como todos estão acostumado a ver.Contexto,redação e alinhamento perfeito , tudo se encaixa no conmplexo da história . Aguardo por mais meu caro !!

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  2. Nossa agora mais profundamente chegou as raízes do demônio! menino! a cada fragmento uma surpresa! continue escrevendo, doido pra saber onde isso vai dar!

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  3. Ótimo!! Esperando agora a continuação.

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  4. E deve mesmo continuar... muito bom mesmo

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