sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Conto - O Malandro e a Prostituta

 


A lua cheia reinava no céu negro daquela noite razoavelmente quente, mas com brisa suave o bastante para refrescar os transeuntes na Região do Arco da Lapa, no Rio de Janeiro.
  A roda de samba ecoava já ao longe enquanto ele caminhava de jeito maroto, pés dançantes com gingado e molejo invejáveis. Os sapatos brancos sapateavam nos paralelepípedos polidos daquela rua.
  Os sapatos combinavam com o terno, também inteiramente branco, tal como o chapéu branco com faixa vermelha e a bengala que trazia pendurada no antebraço.
  Era encantador! Alto, corpo forte. Um negro cheio de beleza!
  Fumava um cigarro que já chegava ao fim. Parou bem embaixo de um dos arcos e apagou o cigarro na sola do sapato, jogando a bituca num amontoado de lixo que havia ali.
  Um pouco mais adiante, estava um grupo de mulheres. Eram prostitutas lindas, seios fartos, pouca roupa. Ele gostava disso! O cheiro doce do perfume que se misturava com a cachaça barata e a erva que fumavam.
  Mas havia ela, a que mais lhe chamou atenção. Os cabelos longos, encaracolados, cheios de volume e com tom avermelhado. Os brincos de argola dourados, o batom que fazia os lábios grandes brilharem.
  Era uma mulata linda, cheia de volúpia, exalando luxuria. Mesmo o homem sem a menor intenção de pagar por sexo se enfeitiçaria.
  - O que faz um negão gostoso desse perdido por essas bandas?
  A mulata ruiva virou-se para ele, com as mãos nas ancas enormes, a saia preta colada nas pernas grossas. Mascava chicletes de sabor hortelã, dava pra sentir o cheiro. E o cheiro do perfume doce que deixava o malandro excitado.
  Ah, que maravilhosa era aquela cidade! Sim, o Rio de Janeiro continua lindo! E com belas garotas!
  - Vim desfrutar das belezas do Rio... – ele sorriu com os dentes perfeitos e alvos. – E já começamos muito bem nossa noite!
  A ruiva se agitou, caminhando até o Malandro de chapéu e terno brancos. Ele deveria ter mais do que um metro e oitenta de altura.
  - Sim... Começamos, pelo visto.
  O sorriso que brotou no rosto do malandro encheu a noite escura. A ruiva retribuiu o sorriso e enlaçou-se no braço de terno alinhado e bem passado.
  - E para onde vamos? – ela perguntou.
  - Preciso beber uma dose antes. – ele olhou fixamente para a moça de roupas curtas e belas curvas. – Me acompanha?
  As outras meninas sorriram e se manifestaram com risadinhas estridentes enquanto a amiga ruiva seguia o caminho do malandro dançante. Havia algo de muito envolvente naquele negro bonito.
  Seguiram pelas ruas iluminadas pela lua e os postes alto de ferro e luz amarelada. Ouvia-se o samba mais próximo agora.
  Palmas, batuque, pandeiro e cavaquinho. Lá ia o malandro cheio de ginga e requebrado másculo. Sambava como poucos ali presentes.
  De repente, o bar todo estava de olhos grudados no negro vestido de branco. O chapéu não ousava cair e os sapatos pareciam se mover sozinhos.
  O céu parecia mais contente e sorridente com o samba genuíno do Malandro. As nuvens deram lugar à lua cheia e as estrelas se aproximaram para assistir a magia do negro que saudava a Cidade Maravilhosa.
  O Malandro atirou a bengala para a Ruiva, que segurou com exatidão ainda no ar. O negro caminhou até mais perto dos sambistas.
  Curvou-se, sorridente, e tirou o chapéu, saudando a todos, em forma de agradecimento pelo som. Quando o colocou de volta, continuou sambando, fazendo a rua se encher.
  As pessoas se achegavam, atraídas pelo molejo do negro que sambava feliz.
  Enfim, o Malandro parou. Colocou o chapéu de lado, afrouxou a graveta vermelha e abriu os botões do terno. Estendeu o braço para a Ruiva, convidando-a para dançar. Ela sorriu, colocando a bengala apoiada sobre uma cadeira, pedindo para a moça ali sentada cuidar do objeto formoso.
  A Ruiva jogou os cabelos para trás, ajeitou as roupas curtas e foi se requebrando até o malandro que mantinha o braço esticado para sua dama. Quando se achegou, segurou-lhe a mão grande e foi puxada para junto do negro que tinha um perfume forte e inebriante.
  Os corpos juntos e os passos bem ritmados, como se ensaiados há tempos. Sorriam e dançavam, o suor brotando na testa.
  Os sambistas aumentaram a velocidade do batuque, assim como o casal aumentava a velocidade da dança.
  Soltaram-se, o Malandro indo até a mesa e pegando um copo de cerveja, bebendo-o em um gole só e agradecendo o dono da mesa. A ruiva foi para o outro lado, girando suavemente, os cabelos livres no ar.
  O bondinho passou no alto dos Arcos e a Ruiva se distraiu por um momento, quando um senhor de bigodes protuberantes se aproximou, passando o braço pela cintura da moça e sussurrando-lhe ao ouvido.
  - Tú é gostosa, mulher...
  A mulher sorriu, envaidecida. Do outro lado, o Malandro observou a cena e continuou sambando, mas agora estava mais sério. Olhava o homem parrudo que dançava junto da ruiva. Balançava os ombros, olhos injetados.
  O maior erro do rapaz parrudo e bigodudo foi tentar beijar a mulher do malandro de branco. A ruiva tentava se esquivar, enquanto o parrudo a apertava contra o corpo.
  Com suavidade, o Malandro de terno branco sorriu e atirou o palito de madeira que pegara outrora para bem longe. Aproximou-se e disse:
  - Larga ela!
  O Parrudo olhou-o com desdém. Eram os dois homens grandes. Não teria por que o Parrudo temer o Malandro.
  - Ou se não...?
  Era o que o Malandro esperava ouvir.
  Puxou a faca da bainha presa ao cinto e o batuque morreu nesse momento. O Parrudo jogou a Ruiva de lado, que quase caiu, não fosse a ajuda da moça que antes segurara a bengala.
  O Malandro manejava a faca com tamanha destreza que o Parrudo quase vacilou. Mas não queria largar uma boa briga com o Negro vestido de branco.
  Agora, era questão de honra quebrar a cara daquele Mané de chapéu branco.
  - Escolheu a pessoa errada pra brigar, Mané... – disse o Parrudo, matando uma dose de aguardente de uma só vez. – Escolheu morrer essa noite.
  A Ruiva tentou intervir, mas o Malandro esticou a mão, indicando para ficar onde estava.
  Tirou o chapéu branco com a faixa vermelha e pousou-o na mesa, ao lado do copo de cerveja que bebia. Esticou a manga do terno e jogou-o para trás do corpo, mostrando o cinto que prendia a calça. O Oxford lustrado brilhava como a lua.
  - Já levei chumbo de espingarda, navalhada de outro Zé... – o negro sorriu. – Acha que vai fazer o que comigo?
  O Parrudo quebrou uma garrafa, assustando os que estavam na mesa ao lado, e investiu contra o Malandro, que desviou com destreza. O Parrudo ainda tentou mais duas vezes, sem sucesso em nenhuma delas.
  O resto de garrafa foi para o chão e o Parrudo virou-se com rapidez, certo de que acertaria o Malandro com um soco, mas acertou apenas o ar. Sentiu uma dor lancinante na costela e perdeu os movimentos, caindo no chão de paralelepípedo.
  O Malandro limpou a faca no lenço que levava no bolso do terno e jogou o mesmo sobre o corpo do Parrudo desmaiado.
  Olhou com pesar para a Ruiva, que levara as mãos à boca, assustada com a cena. Não queria que as coisas tomassem esse rumo, mas fora preciso.
  Com olhos tristes e sorriso morto, o Malandro se curvou para os que estavam no bar. Pegou o chapéu da mesa, guardou a faca na bainha, fechou o terno e se ajeitou.
  - Boa noite pra quem é de boa noite...
  Ao olhar para o céu, o Malandro viu um risco alaranjado tingindo o firmamento.
  - E bom dia pra quem é de bom dia...
  E assim, ele se foi.

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