sexta-feira, 2 de abril de 2010

Conto - Understanding - Thiago Assoni


O silêncio, pesar e sofrimento eram quebrados pelo som dos sinos da Igreja que soavam para findar o velório que lá se passava.
Havia mesmo muita gente, os bancos estavam todos ocupados, a tristeza se fazia presente com pesar nas vestes em luto daquela gente.
Lá fora, o céu, também vestido em luto, parecia chorar o fechamento do caixão. Em latim, o padre abençoava mais uma alma a qual findara com sua própria vida carnal.

- In nomine Patris et Filii et Spiritus Sancti...
- Amém. - respondeu a turba em uníssono.

Entrou cabisbaixa naquela Igreja uma moça alva de olhos claros e marcados à lápis preto que escorria à face pálida. Os cabelos negros misturavam-se às roupas de seu pesado luto. Atravessou os umbrais imensos sussurrando algumas palavras de significado íntimo.
Vagarosamente, ela andava até o altar. Olhava triste para aquelas pessoas. Seus parentes, amigos e outros que eram apenas alguns conhecidos. Alguns rostos brilhavam flashs de lembranças remotas.

Um verão com o então namorado numa praia há alguns anos, muitos daqueles presentes na Igreja eram ainda adolescentes. Corriam à beira do mar, chutavam a água para que molhassem uns aos outros. Naquela mesma noite, um Lual com os amigos, violão e fogueira. O carro do namorado um pouco mais distante, no alto de uma baixa colina. Sua primeira noite de amor em um carro...

Mantinha-se o silêncio pesado nos ocupantes da Igreja. Apenas a voz rouca do Padre que lia algumas palavras que não prendiam as atenções do que ali estavam.
A moça lhou para o altar e viu ali seu noivo e ele estava triste agora. Foi naquele mesmo altar que há alguns anos se casaram, trocando as juras de amor e promessas de união até que a morte os separassem...

-“Prometo ama-lo e respeita-lo todos os dias de minha vida... Até que a morte nos separe...”.
-“Prometo ama-lo e respeita-lo todos os dias de minha vida... Até que a morte nos separe...”.

Ela se aproximou dele, olhou-o triste. Ele chorava tanto. Sua tristeza era grande e a atormentava demais. Sentia seu peito doer com a dor dele e aumentava cada vez mais. Cada lágrima que escorria a face dura daquele rapaz, doía profundamente dentro dela.

"Please, don’t be afrain... When the darkness fades away..."

Nada que ela dissesse naquele momento iria conforta-lo. Sua tristeza era demasiadamente dolorosa, uma lacuna que se abria e se aprofundava tanto nele quanto nela. A tristeza era gritante, mesmo naquele silêncio.

- Você nunca estará sozinha, meu amor... Nunca...

Era o momento do caixão ser levado para o carro funerário e lá estava seu marido a frente do caixão. Mesmo sabendo que deveria, ela não se juntou àquela turba de zumbis e ficou sentada entre os degraus da escadaria à porta da Igreja, assistindo àquela triste cena.
Observa seu marido de longe, tão triste, tão choroso. Nunca o vira tão frágil.

Quando, enfim, o caixão foi posto no carro funerário e as portas traseiras foram fechadas, todos partiram todos para o cemitério em seus carros particulares. Ainda sentada à porta da igreja, Emilly viu os carros, um a um, sumirem lá depois das esquinas...

Os passos pareciam arrastados no caminho até a sepultura. Pedrinhas minúsculas em toda extensão do chão desigual e esburacado. O grupo de pessoas seguia o caixão em duro e absoluto silêncio, salvo exceção dos choros que seguiam baixinhos, inclusive o daqueles duas pequenas crianças que choravam sentidas pela morte de quem ali ia sendo levado...

Emilly, a moça que antes jazia entre os degraus polidos à porta da Igreja, sofria muito com tudo aquilo. Doía tanto vê-los daquele jeito. Eram crianças, não deveriam sofrer tanto assim...

Manteve-se afastada o tempo todo. Viu o momento em que pararam para uma ultima oração enquanto o céu escurecia mais e mais, as núvens grossas e negras surgiam para deixar o dia virar noite. Conforme via aquele momento, os pensamentos de Emilly rodavam em mente como se num filme fora de controle, ordem e velocidade. Oras lembrava de sua infância, oras de dias atrás. Em alguns momentos via tudo corrido, em outros em câmera lenta...

O nascimento de seu primeiro filho...Um menino lindo...
Relembrou o nascimento da menina, dois anos depois...

As criancinhas que choravam no velório... Eram eles, eram seus filhos! Olhou aos lados e encontrou também seus pais que choravam muito.
Então ela tentou falar com alguém, se aproximar... Mas ninguém lhe dava atenção e isso a deixava atordoada! O que estava acontecendo, por qual razão aquela dor no peito ainda doía tanto e cada vez mais?

"Hold and speak to me... Of love without a sound..."

A dor no peito doía insistentemente e o choro de todos acentuava aquele sentimento pesado que a prendia na terra, fixando os pés como se andando sobre areia movediça.
Dada a hora do sepulcro, sua visão escureceu...

Ouvi o som da chuva tilintar no vidro, o carro parou.
Era noite. Escutava, ao longe, uma discussão...
Os passos duros no chão molhado, ouviu os gritos
Ela puxava seu marido das mãos de dois grandalhões e um deles correu com algumas coisas na mão. O outro em seguida e parou num beco escuro. Também tinha algo em mão e ergueu o braço na direção dos que sofreram o assalto.

"Tell me you will live through this... And I will die for you..."
BAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAM ! ! !

O disparo ecoou em sua mente e sentiu o baque no peito seguido do líquido rubo em suas vestes empapadas.
Olhou para o local que doía tanto o tempo inteiro e lá estava o sangue que corria livre, fazendo-a sentir desfalecer novamente.
As pernas bambearam e a visão se fez turva. Lembrava de ter caído nos braços forte do marido que gritava seu nome initerruptamente e pedia por ajuda.
O vermelho e azulk do giroflex que cortava as ruas da cidade, a chegada ao Hospital, a equipe de médicos que corria ao lado dela na maca que seguia para a Emergência...

- Um...Dois...Três...Afasta!
E o choque fazia seu corpo saltar da maca, um apito agudo vinha breve...
- Vamos, mais uma vez...
E o choque percorreu seu corpo mais uma vez.
- Inútil...- disse o doutor, triste, jogando a máscara cirúrgica no chão.- Perdemos a paciente...

A chuva ainda banhava toda a cidade, lavando a sujeira das ruas e levando a tristeza para longe do jazigo onde Emilly estava agora. Todos já haviam indo embora, as flores jaziam sobre o mámore cinza.

Um túnel abriu-se a sua frente e ela compreendeu que precisava partir. Mas não queria ir, a dor era ainda muito real e não conseguia acreditar que era verdade.
Olhous para suas mão e sua roupa. Ela sangrava. Tremia.
O silêncio, pesar e sofrimento eram quebrados pelo som da chuva que insistia cair por sobre a necrópole, agora, deserta de seres vivos.

Olhou mais uma vez para aquele jazigo de mámore onde estava sentada, o vestido abrindo-se sobre o tampão recém-vedado. As letras douradas denunciavam aquilo o que não queria acreditar:

“Aqui jaz Emilly Rose”.

Ao som da Música: Understanding
Artista: Evanescence


5 comentários:

  1. Ain! Como você consegue ser tão VEROSSIMIL ao falar essas coisas. Isso é admiravel, vc consegue fazer agente entrar dentro das suas palavras, e qdo percebemos, saimos da realidade. Muito bom! Parabens!

    ResponderExcluir
  2. Fantástica a maneira pela qual expressa suas imagens criativas, minucioso e detalhista, faz com que o leitor mergulhe em seus sentimentos! Parabéns!

    ResponderExcluir
  3. Ai Assoni, que belo conto, tão real,tão funebre, tão sentido, não triste, mas a preparação para ser ver a própria morte, quantas vezes , morremos assim, aqui só falta vemos, nosso próprio enterro, ai vem alguma coisa, e nos puxa, e não nos deixa ir, mas Emilly,se foi de verdade.talvez não quisesse atravessar o plano, mas é preciso, ai gostei, não senti dor, senti a solidão da partida, é quando na verdade, nós que morremos, é quem mais sentimos de verdade, a nossa própria ausencia, ah doce morte..Perfeito Assoni, senti aqui, sua inspiração fui a igreja, vi Emilly Rose, quero te dizer, que me chamam de Rose, ainda bem que não sabia, mas não tinha problema, se me matasse, assim, uma escrita igual a essa, morreria 100 vezes ou mais, amei meu amigo, fui ao velório, fui ao cemitério, e senti Emilly sangrar, amei demais.Digno de aplausos meu amigo.Obrigada, por tão lindo conto, amei demais.
    Rozilda Marques

    ResponderExcluir
  4. Uma querida amiga "on-line" não conseguiu fazer seu comentário aqui e escreveu o mesmo lá no Facebook. Com a licença dela, vou apenas copiar e colar abaixo:

    "Tentei comentar em seu blog, mas depois do comentário pronto, deu biziu e eu acho que se perdeu.

    Enfim, repetindo mais ou menos por aqui: o conto é lindo, triste e verdadeiro. Fico pensando se alguns espíritos não passam mesmo umas coisas assim. A grande diferença é que na vida real não tem trilha sonora. Achei que a inserção de trechos da música ao longo da estória deu um toque todo especial."

    - Grazi Evangelista

    ResponderExcluir