terça-feira, 12 de abril de 2016

Cellophane - Conto - por: Thiago Assoni


O mundo girou num instante, os pés voavam soltos sem sentir mais o chão abaixo deles. Explosões coloridas encheram seu globo ocular, criando ondas infinitas e todo um universo diante de si. Não tinha mais domínio próprio, a música domava cada um de seus movimentos ensandecidos e alucinados.
Um mundo interior se descortinou em meio a sua dança frenética, mas não compreendia o que se passava. Um turbilhão de sentimentos, emoções e sensações... Não eram as drogas ou bebidas, era algo incrivelmente superior a tudo o que já conhecera antes. Nada seria capaz de descrever aquele instante.
Viu-se num emaranhado de pequenos pontos luminosos, estrelas que pendiam em um véu negro do céu da noite. Tentava parar o corpo, mas já não era mais obedecido. Perdido na mágica da alucinação temporária.
Luzes lilases enchiam seu campo de visão, fazendo tudo sumir por alguns instantes. Um funil imenso em preto e branco foi levando seu corpo para outra estação, um novo mundo para ser desvendado.
A vibração das notas musicais gritavam em sua pele arrepiada. O impacto do som contra cada parte de si só elevava seu interior rumo ao portal transcendental que flutuava não muito distante.
Nuvens fofas de algodão amparavam seu peso zero, olhos piscaram por todos os lados – apenas olhos soltos e sem rosto que pendiam no vazio do lugar de azul anil brilhante.
Uma luz amarelada que se assemelha à luz do sol se fez ver, mas não era possível notar de onde vinha, qual era sua origem. Havia apenas o existir, não mais o querer. As vontades estavam distantes, o poder não era possível.
Passou pelo portal iluminado e o infinito girou dentro de si sem parar. Seres que voavam por todos os cantos, não havia céu nem terra, somente todo o espaço sideral em descompasso.
Aos poucos, notou que despencava. O frio na barriga, a falta de ar, a pressão craniana, ataque cardíaco... Seus olhos se remexeram, tirando o foco da visão e, enfim, sentiu o chão frio nas costas, o rosto úmido e as mãos formigando. A audição falhou, a música emudeceu.
O mundo parou de girar. Abriu os olhos e encarou a lâmpada fluorescente que pendia no teto tosco e cheio de infiltrações, blocos de isopor soltos na base de ferro cinza. Pendeu a cabeça para o lado e só então percebeu estar num quarto de hospital. Soro, batimentos cardíacos, maca, lençóis brancos...
Um sorriso débil lhe enfeitou o rosto. Sua cabeça ainda girava no infinito de outrora, mas sabia que o corpo já não mais pertencia àquele lugar além-mundo. Estava de volta à horda de zumbis alienados e perdidos. Estava de volta ao que chamam de mundo real. 

segunda-feira, 11 de abril de 2016

"Êxodo" - Conto - por: Thiago Assoni.



Parado, olhando para meus olhos de vidro no espelho sujo e com uma lasca solta na ponta direita da parte de cima, notei que não era mais meu rosto que via naquele reflexo desfocado e triste.
Um sorriso em risco reto, olhar vazio e sem brilho. Meus fantasmas todos sobrevoando uma nuvem negra sobre minha auréola enegrecida. A lâmpada piscando por conta da fiação precária, azulejos antigos e de um azul gasto e manchado...
Tentei sair daquela situação por tantas vezes que meus braços já nem se erguiam mais, cansados demais para lutar contra o que quer que fosse. A pia servia como apoio, a única que ainda o fazia.
Respirei fundo e fechei os olhos, perdendo meu contato visual com um falso eu no espelho. As formas disformes da escuridão já não me botam mais medo, naquele pavor infantil de outrora... Ah, se todo o mal fosse a penumbra da noite, aquela que sempre temi...
As trevas agora são outras!
Habitam corações e não espaços onde eu possa estar. Não é o escuro do meu quarto que me faz tremer, mas o pretume de algumas almas, o vazio de alguns sentimentos. O encanto que se faz ausente; a alegria enferrujada; a gentileza que jaz sob sete palmos de arrogância...
Sinto falta do meu medo da noite, dos temores infantis. Hoje, triste, me assisto me tornar aquele mostro que sempre repudiei... Pior que isso: decepciono-me ao perceber que não me importo...
Abro os olhos. Encaro aquele eu desconhecido, minhas formas ficando disformes para mim, enquanto me perco na escuridão daquela noite, nos meus medos, na minha penumbra...
Viver para sonhar...

Morrer para despertar.