Sacrifício - Parte Três.
A
escuridão era intensa. Os ruídos eram aterrorizantes e ecoavam pela imensidão
trevosa, que impedia seus olhos de enxergar um centímetro além de seu rosto.
Encostou-se a parede de barro, numa tentativa de traçar um caminho, e sentiu
que o frio era realmente muito forte lá dentro do labirinto. Sentia falta de
algo que pudesse esquentá-la. Aquele vestido decotado e rente ao corpo lhe
causava a sensação de frio ainda maior.
Andou
às cegas, sem saber por onde. O chão era desigual e, em certos pontos, era mais
lamacento, fazendo com que seus pés afundassem até a altura dos joelhos. Para
sair dessa armadilha natural, ela usava de muita força, o que deixava seu corpo
exausto e cada vez mais pesado. Em dados momentos, sentia mãos que subiam e
desciam em suas pernas quase nuas a essa altura da caminhada, onde antes
passara por um corredor de espinhos e folhas cortantes.
Não
sabia precisar o tempo que já estava ali dentro, mas parecia tempo demais.
Deitou no chão de terra e dormiu. Quando acordou, ainda era noite, mas sabia
que isso não faria diferença, pois aquele lugar era noite o tempo inteiro.
Continuava andando sem saber por onde. Sentia roedores e insetos caminhando por
seus braços, pernas e ombros.
Por
vezes, corria e se deparava com a parede de barro. Caía com violência com o
impacto e ficava ali desmaiada sem saber por quanto tempo. Quando acordava,
continuava andando. Estava cansada e suas pernas doíam. Sentia fome e chegou a
comer algumas folhas que ela não fazia ideia do que poderia ser. As pontas dos
dedos estavam todas mordidas.
Sentindo
a exaustão ao máximo, sentou-se e descobriu estar num vale de ossos quando
puxou um crânio ao seu lado. Lembrou-se daquele corredor que havia passado
horas antes. Levantou-se assustada e correu. Parecia estar num campo aberto
agora, pois não se chocou com mais nenhuma parede de barro. Tentou olhar aos
lados, mas era inútil. Não conseguia enxergar um palmo a sua frente. Ficou
caminhando por horas e não encontrou mais nenhum obstáculo, nenhuma parede,
nenhuma armadilha.
De repente, sentiu
o chão tremer. Finalmente conseguiu enxergar, e era uma rachadura enorme que se
abria diante de seus olhos. Uma luz alaranjada se ergueu até o céu negro entre
fumaça e murmúrios de lamúria. Viu uma base de ferro se levantar, girando.
Nela, havia uma arca também de ferro e muito bem trabalhada. Ao lado daquela
arca, em pé na plataforma, estava ele, novamente vestido de preto, os olhos
esmeraldas com um brilho ainda mais misterioso. Ele não disse nada, apenas
sorriu e apontou para a arca reluzente.
-
Finalmente chegou! – ele sorriu.
A
plataforma parou de subir, igualando-se ao nível do chão do espaço deserto. A
escuridão se fora, e era como olhar um céu vermelho agora. Aquele tom
avermelhado do céu deixava o ambiente como se fosse um cenário dos mais
terríveis pesadelos. E aquele homem, a única figura que parecia completar
perfeitamente aquele assombroso lugar, sorria, deliciando-se do pavor da jovem
que estava a sua frente.
Enfim, ele
colocou-se ao lado da garota e estendeu-lhe o braço, que foi correspondido num
meio abraço por parte dela. Caminharam até a base que emergira das profundezas
e ficaram ao lado da arca que ali estava. Sem dizer uma só palavra, ele tirou a
tampa e mostrou a caixa vazia. Havia apenas fumaça que saia dali.
-
Do que se trata? – ela perguntou, enfim.
Sorrindo,
ele manteve guardado seu silêncio e deu a volta na arca, alisando-a em
contemplação. A fumaça formava pequenos redemoinhos ao passar dos dedos
compridos. Quando ele olhou para ela novamente, já mostrava seu verdadeiro rosto
de bode e os chifres protuberantes envergavam-se para os lados. Do chão,
brotaram dois corpos rochosos de braços muito fortes, que jogaram a garota
dentro da arca de ferro e fecharam-na ali dentro.
Foi
só nesse momento que Lilith percebeu que a arca era rodeada por pequenos
círculos de vidro e que a tampa também tinha duas aberturas daquele mesmo tipo.
Conseguia ver tudo o que se passava ali fora. Os corpos rochosos que se
desmontaram em pedaços e o tinhoso que se aproximara do vidro em frente ao seu rosto,
sorrindo, a tocha no meio da cabeça brilhando em chamas altas. Sentiu o ar
começar a lhe faltar quando aquele líquido viscoso invadiu a superfície
metálica. Apavorou-se, mas não havia espaço o suficiente para se debater.
Tentou gritar, mas percebeu que a voz não saia, engasgada, presa no fundo da
garganta que ardia. Seus olhos choravam e o pouco que enxergava ficara borrado.
Aos poucos, a caixa ia se enchendo cada vez mais e mais. Seu corpo se retraia e
a respiração ficava cada vez mais ofegante. Sentiu aquele líquido tampar os
ouvidos e chegar ao rosto. O pouco de ar que ainda tinha estava se acabando.
Quando
submersa, Lilith não se mexeu mais. Precisava poupar o máximo de energia
possível e precisava acalmar-se. Talvez ele fosse tirá-la de dentro daquela
arca logo, então era preciso manter a calma. Ele não ia deixa-la morrer...
Mas foi só então
que ela percebeu que não havia como morrer, sendo que ela já estava morta. Só
agora percebera que não teria perigo estar ali dentro e que aquilo não era uma
tortura. Mas, então, o que era aquela arca?
O
rosto do homem de olhos esmeraldas surgiu no vidro, sorrindo, lindo! A voz dele
ecoou dentro da mente dela:
-
Você vai ter a chance de vingar sua morte, bela garota... Darei a você a chance
de voltar e vingar-se de todos os que te trouxeram até aqui. Farás um trabalho
para mim, trazendo todos os malditos que fazem mal uso de meu nome num mundo
decadente e depreciável, onde veneram o Onipotente que é desalmado e excomunga
aqueles que deram a vida em Seu nome. Vivemos para Segui-lo, e temos o pior dos
finais. Somos atirados à sorte mundana e temos a alma corrompida por qualquer
ser malévolo sem chances de perdão. Foi assim comigo... Foi assim com você!
Então,
Lilith percebeu que o homem de olhos esmeraldas não era Baphomet, mas também um
jovem que fora oferecido a ele. Eram duas almas malditas e condenadas,
oferecidas às trevas e que se uniram na morte para dar poder àqueles que o
traíram. Ambos atirados ao inferno para suprir às necessidades daqueles que os
venderam. Aquele homem era usado por Baphomet. Era apenas uma imagem melhor que
o demônio poderia usar para se mostrar. Ela podia ver através dos olhos dele
sua morte dolorosa naquele ritual sangrento, onde sua barriga fora aberta com
ele ainda vivo e suas vísceras puxadas enquanto ainda podia senti-las sendo
cortadas.
Logo,
o rosto bonito daquele jovem foi substituído pelo rosto do bode que sorria
escancarado. A voz agora surgiu rouca e grotesca.
-
Vá e veja como tudo aconteceu contigo até chegar até aqui, bela garota!
As
palavras ecoaram como se vindo de muito longe. Lilith sentiu o corpo ser
arrastado pelos corredores do tempo e viu a vida passar diante de seus olhos
qual como numa fita cassete sendo rebobinada. Conseguia ver cenas as quais
nunca tinha visto e nem nunca tinha vivido. Lembranças adormecidas dela e de
outras pessoas. Via tudo claramente agora, como em um filme. As missas quando
criança, as festas da Igreja, as reuniões de seus pais que sempre faziam com
ela tivesse que ficar brincando na rua com outras crianças até que fosse
chamada de volta.
As
coisas, aos poucos, iam fazendo sentido. Lilith estava ali, sendo criança de
novo, e ia descobrir como tudo isso tinha começado.
Magnifico,A história a cada dia está ganhando mais vida e ganhando todo o sentido no contexto ..Apenas tenho a elogiar e esperar por mais já que Lilith e a mocinha na história e não a vilã como todos estão acostumado a ver.Contexto,redação e alinhamento perfeito , tudo se encaixa no conmplexo da história . Aguardo por mais meu caro !!
ResponderExcluirNossa agora mais profundamente chegou as raízes do demônio! menino! a cada fragmento uma surpresa! continue escrevendo, doido pra saber onde isso vai dar!
ResponderExcluirÓtimo!! Esperando agora a continuação.
ResponderExcluirE deve mesmo continuar... muito bom mesmo
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