Meu nome é Tereza, tenho 42 anos. Sou Funcionária Pública há vinte anos e casada há vinte e cinco. Tenho dois filhos que me enchem de orgulho por já terem metas para o futuro e por estudarem para alcançá-las. Nunca impusemos nossos desejos fracassados sobre eles, o que acho válido. Tiveram (e ainda têm) a liberdade de ser quem querem ser, não o que nunca conseguimos.
Celso, meu marido, é advogado e trabalha numa grande construtora brasileira aqui em São Paulo. Empresa de nome conhecido, grande e importante! E Celso é um homem de caráter e de honra, nunca cedeu às corrupções que seu trabalho envolve. Já vimos muitos que caíram, envolvidos em escândalos que até foram televisionados... Mas meu marido sempre esteve entre os melhores! Seu nome nunca surgiu em listas de investigados ou envolvimentos de qualquer desses escândalos...
Mas eu sempre desconfiei de que havia algo errado. Há muito tempo vinha notando seus sumiços repentinos, as reuniões fora de hora, viagens que não estavam previstas em nossa agenda.
Algumas (muitas) vezes, quando marcávamos jantares em nossa casa, acabava ficando sozinha com nossos amigos convidados. Eles, claro, nunca comentavam nada sobre isso, mas eu sempre notei nos olhos de cada um deles: alguns sentiam pena, outros pareciam tirar sarro daquela detestável situação...
E eu chorei! Muitas e muitas noites, sozinha na cama de casal vazia, eu chorei. De tristeza, de raiva! Raiva do meu marido por aquela traição, mas, principalmente, raiva de mim mesma por ser tão medíocre e covarde.
Eu sentia dor! Durante todo tempo aquilo me doía. Imaginar que Celso estava se relacionando com alguma outra mulher, certamente uma mocinha bem mais jovem do que eu, estava me matando!
E como eu sabia que era outra mulher? Bom, eu fiz algumas rasas investigações. Celso nunca foi muito bom em esconder coisas, pelo menos era o que eu pensava. Encontrei as faturas do cartão de crédito dele e ali estava descrita sua falta de cuidado em detalhes: nome das lojas, dia, horário e qual o produto comprado.
Vestidos caros, roupas íntimas, objetos de sex shop... Deus! Aqueles perfumes caros e adocicados que nunca gostei, tratamentos em clínicas de beleza das quais nunca estive... Nada daquilo foi gasto comigo! Era presente para alguém, para a amante dele!
Mas isso não ficaria assim, eu não ia deixar por menos.
***
Certo final de semana eu acordei cedo, sozinha na minha cama, mais uma vez. Quase não consegui dormir imaginando aonde deveria estar meu marido. Fiquei virando na cama, perturbada com cenas que invadiam minha mente.
Eu queria gritar, esmurrar as paredes, quebrar todas as coisas que visse pela frente, queimar as roupas e todas os pertences dele! Mas mantive a calma, como sempre fiz.
Pela manhã levantei e segui meu ritual matinal normal. Arrumei nosso quarto de mentiras, preparei o café da manhã. Nossos filhos não estavam em casa, o que era bem melhor: não ia precisar sorrir enquanto meu coração estava aos pedaços!
Sentei-me à mesa e, olhos vagos, tomei meu suco calmamente enquanto minha mente ia longe e meus dentes mastigavam a torrada integral. Aquelas imagens criadas pela minha mente entristecida teimavam em reaparecer e eu me esforçava para ignorá-las.
Celso chegou, vindo da rua. Me sorriu com aquele sorriso amarelo, pois ele não esperava que eu já estivesse acordada e à mesa com tudo pronto ali tão cedo. Tinha o paletó jogado no braço, a camisa com botões abertos até metade do peito e, mesmo de longe, notei o batom meio borrado na boca.
Fingindo precisar do banheiro, ele correu pelo corredor. De fato ele entrou no banheiro mesmo e bateu a porta em seguida. Ouvi água na pia. Ele queria tentar esconder as evidências, é claro.
Quando voltou para a cozinha onde eu estava, Celso beijou meus cabelos e disse estar cansado, que tentou me ligar na noite anterior tão logo a reunião acabara, mas que não tinha conseguido. Eu sabia que era mentira, é óbvio, mas menti também: disse que tinha ido dormi cedo e talvez não escutara mesmo o telefone tocar quando, na verdade, eu quase nem conseguira dormir.
Ele disse que ia tomar um banho, pois tinha dormido em um hotel lá pelo centro mesmo por achar perigoso voltar já tão tarde da noite. Disse ainda que alguns dos acionistas convidaram-no para um
drink em um bar lá e, enquanto falava comigo, ia caminhando para o quarto.
Ah, aquele cheiro doce ainda estava nele. Filho de uma grande puta, que me desculpe a mãe dele. Mentia com a maior cara lavada do universo! Passou a noite comendo a amante e vem tentar me convencer de que estava com acionistas em um bar falando sobre como o dólar oscilava e como estava difícil a situação econômica do País na no momento atual... Sei.
Eu estava louca, em nervos! Ergui-me e fui até o quarto. Celso não estava mais lá, já estava no banho, mas havia deixado a maleta e as roupas sobre a cama. Outra grande falha de um mentiroso que não sabe sustentar suas mentiras.
O cheiro quase sumia, mas o perfume ainda estava no paletó. Apertei o tecido com força, controlando-me para não entrar naquele banheiro e matá-lo com minhas próprias mãos!
Foi quando senti algo no bolso e logo procurei para saber do que se tratava. Puxei um pequeno cartão de acesso do que parecia ser algum tipo de boate. Era como um cartão qualquer para destravar catracas de edifícios feito o que ele trabalha, mas havia outro nome ali. Antonieta. Então era essa minha rival? Antonieta?
Anotei o nome da casa de shows libertinos e fui para o computador em busca de informações. Boate Luz Neon, avenida São João, centro de São Paulo. Só abria nas sextas, sábados e domingos. Ótimo! Eu ia atrás dele na próxima sexta-feira...
***
Não falei nada pra ninguém naquela noite de sexta-feira, apenas disse aos meus filhos que ia sair sem hora certa pra voltar. Liguei para o Celso e disse que sairia com umas amigas do tempo de escola e, como nota mental, pensei: aquelas que sempre marcavam festas e eu nunca ia pra não deixar faltar a presença de esposa dentro de casa, a mãe exemplar e muito menos deixar faltar a janta e tudo arrumado para você!
Sem fazer perguntas, ele disse que tudo bem e que talvez precisasse ficar até mais tarde no escritório, pois um caso muito importante e rentoso estava prestes a ser concluído. Disse até que, talvez, nem voltasse para casa e ficasse lá pelo centro mesmo.
Mas é claro que ficaria... Eu sei que ficaria, pois iria encontrar a tal Antonieta na Boate Luz Neon, não é mesmo? Canalha! Que ódio que eu sentia. Precisei parar o carro diversas vezes durante o caminho, pois de tão nervosa, eu tremia incontrolavelmente.
Milhares de coisas se passavam na minha mente desvairada enquanto dirigia. Qual seria minha reação ao encontrá-lo com a vagabunda da amante dele? E qual seria a reação dele ao me ver chegando e pegando-o com outra? Será que a amante sabia que ele era casado?
***
A Boate Luz Neon fazia jus ao nome, pois toda sua faixada era de neon e o nome piscava de vez em vez. Era um prédio antigo, dois andares, com sacadas de portas fechadas lá em cima.
Estacionei do outro lado da rua e, com cuidado, atravessei. Respirei fundo e me aproximei da entrada. Dois rapazes muito altos me olharam com seus rostos sérios e carrancudos, deram espaço e entrei.
Uma moça sorridente me recebeu no que parecia ser uma recepção e perguntou se eu tinha o nome na lista ou se iria comprar a entrada. Notei um olhar meio interrogativo, como quem diz: "o que a senhora faz aqui?", mas paguei a entrada e a mocinha estendeu a cortina de veludo atrás dela.
Adentrei o salão...
O chão era revestido por um carpete vermelho já bem gasto, as paredes de madeira lustradas não brilhavam devido à iluminação fraca e proposital do ambiente, o que ocultava os clientes. Havia muitas mesas arredondadas e quase todas ocupadas.
Logo quando entrei vi, ao lado, um bar bem decorado com quadros antigos e uma vitrola de onde saía um tango eletrônico que escapa por uma extensão de caixas de som espalhadas pela Boate. Lá nos fundos, identifiquei um palco com cortinas ainda fechadas.
Discreta e calmamente, sentei em uma cadeira de uma das (poucas) mesas vazias. Tentei olhar aos lados e encontrar meu marido, mas não seria tão fácil enxergar. Não podia dar bandeira, precisava me manter calma e observar com cautela para encontrar o Celso.
O garçom chegou e ficou surpreso ao me ver. Novamente aquele olhar curioso e notei um sorriso diferente no rosto dele. Pedi conhaque, dose dupla. Após anotar meu pedido, ele me olhou daquele jeito estranho mais uma vez e saiu.
Odiei estar ali, queria ir embora logo e quase levantei para sair. Mas algo dentro de mim gritava para que eu ficasse, quase como uma ordem. Eu precisava acabar com aquela angústia, precisava desmascarar meu marido e ver quem era a tal de Antonieta. Não ia continuar sendo enganada! Ele não poderia continuar com aquela vadia, não ia ficar me traindo com uma vagabunda de boate!
Mais uma vez olhei aos lados e tentei encontrar o Celso. Será que ele chegaria um pouco mais tarde ou já teria ido embora com a pilantra da prostituta dele?
O garçom trouxe meu conhaque e deixou o copo sobre a mesa. Quase não notei, mas tão logo o vi, peguei o copo e bebi rápido demais. Não sou acostumada a beber e senti minha garganta arder. Quase posso jurar que já me sentia embriagada, mas claro que não podia ser.
Três conhaques e mais um set-list de electro-tango depois, eu estava quase desistindo de me encontrar com o Celso ali na Boate Luz Neon. Estava cansada, triste, arrasada... Quando levantei, precisei sentar de novo. O mundo girou e senti minhas pernas não responderem meus comandos. Apoiei a cabeça nos braços deitados sobre a mesa e respirei fundo.
De repente a música parou e ouvi um rapaz ao microfone. Levantei lentamente a cabeça para observar o que estava acontecendo. As luzes do palco se acenderam rápido demais, ofuscando minha visão e demorou até notar que um espetáculo estava começando.
- Com vocês: Antonieta!
Ah, então chegou a bendita - ou maldita - hora de conhecer a minha rival. Aquele filho de uma grande puta deveria estar no camarim até agora e, talvez, estivesse assistindo tudo ali de trás do palco. Olhei ao lados para ver se ele, por um acaso, não estava em algum lugar por ali no bar agora que já tinha desejado "boa sorte" para sua amante.
No palco, a música começou. Como não poderia deixar de ser: um electrotango. As luzes piscaram e a figura de vestido vermelho e bem decotado surgiu sozinha. Sempre imaginei que dançar tango deveria ser em par, mas, pelo visto, esta Antonieta sabia mesmo ser bem peculiar.
Durante toda a introdução da música, ela ficou de costas. Deu passos sensuais até o centro do palco e virou-se. Notei seu rosto, a maquiagem bonita. Um ser andrógino e só então notei que não havia uma vasta cabeleira negra como era costume das dançarinas de tango. As curvas bem torneadas do corpo bem feito também não eram tão delicadas, mas ela era linda! Tão graciosa, tão lindamente performática...
Dançou, enfim, ainda sozinha, com passos graciosos. A leveza impar, movimentos soltos, olhar marcante. A flor estava na boca, como deveria estar no companheiro invisível; um colar de pérolas enrolava-se no pulso escondido por luva preta, a perna grossa em meias pretas rendadas...
Antonieta era mesmo alguém que chamava atenção, que arrancava suspiros, fazia brilhar os olhos! Era formosa, era graciosa, delicada, linda...
E isso me deixou perturbada! Eu estava olhando, mas não acreditava. Então era isso, por essa razão aquelas reuniões fora de hora existiam. Ele realmente estava me traindo com ela, com a Antonieta! As faturas que descreviam as compras estavam corretas e jogavam-me na cara algo que nunca quis notar...
Céus! Não poderia eu ser tão cega, poderia? Como deixei passar algo assim? Ele estava me traindo, ele tinha outra... Mas como crer no que meus olhos me mostravam? Lá estava ela, lá estava minha rival.
A mulher que me roubava o marido era Antonieta...
E Antonieta era meu marido!